Nome do leitor: Paula Isidoro
"Matteo Perdeu o
Emprego" compõe-se de duas partes. A primeira é um conjunto de 25 contos
muito curtos, em que personagens com nomes judaicos - retirados de um trabalho
do fotógrafo Daniel Blaufuks - vivem situações caricatas ou absurdas.
Temos Cohen, académico
cheio de tiques que sofre de copropraxia (repetição de gestos obscenos) e de um
compreensível ostracismo social; temos Goldstein, um cego fascinado pelas
substâncias raras (como o escândio) e pela tabela periódica, ao ponto de pedir
ao seu amante para a tatuar, em Braille, nas suas costas; temos Helsel, cujo
"hobby estúpido" consiste na recolha e armazenamento de baratas vivas
num armazém rigorosamente monitorizado; ou Kashine, um rapaz de 16 anos que
escreve "não" em tudo o que pode, lançando o caos à sua volta -
porque basta acrescentar o não onde estava o sim "para dar início ao
inferno, ao desassossego".
Há também rotundas
reais e imaginárias, um labirinto perigoso e uma "barca da razão" que
é só um navio dos loucos adiado.
Cada história
encadeia-se na seguinte por via de um pormenor comum, um qualquer ponto de
contacto, criando uma espécie de estafeta narrativa em que cada personagem
passa o testemunho à personagem seguinte (cujo nome é assinalado a negrito,
para vincar a transmissão). Aparentemente, o livro obedece a uma lógica
circular e a uma ordem alfabética.
A personagem Matteo
Quando chegamos a
Matteo, a "personagem central" (única com direito a uma história mais
desenvolvida, em 12 capítulos) e suposto fim da linha, ele acaba por encontrar um
tal Nedermeyer que assistiu, uma hora antes, ao atropelamento da primeira
personagem, Aaronson.
Este aparente círculo
pode, contudo, não passar de uma elipse. É pelo menos o que sugere o autor na
segunda parte do livro, um brilhante posfácio que funciona como exegese do que
acabámos de ler.
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